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  • Foto do escritorNicole Annunciato

Do beco para o mundo: O coletivo de artistas circenses que atravessou oceanos

Atualizado: 4 de jul. de 2022


Quantas vezes você já foi ao circo?


Para os artistas e voluntários que participam do Circo no Beco, na capital paulista, a resposta para essa pergunta pode ter um impacto gigantesco.


Existente há 17 anos na Vila Madalena, o Circo no Beco é uma ocupação que recebe artistas do mundo todo. As reuniões dos artistas começaram com um projeto existente no local, pois alguns malabaristas que estavam iniciando as carreiras precisavam de um lugar para treinar.


Funciona como um palco aberto, onde o trabalho dos voluntários do local é montar o palco para que o artista possa se apresentar.


Apesar de não ser tão conhecido pelo público, e da arte circense ser pouco valorizada no Brasil, Lucio Maia, o atual responsável pelo movimento, conta que as reuniões e apresentações já contaram com artistas de Fortaleza, Manaus, Bahia, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.


O responsável também conta que o Circo no Beco vai muito além do Brasil: Alguns artistas atravessaram o oceano para poder apresentar junto com eles.


“É um organismo muito vivo, um coletivo de muitos artistas. O pessoal vem da Europa e quer se apresentar, conhecer. Artistas da Itália, França, Bélgica, Argentina, EUA”, conta.


“São rostos invisíveis, mas no movimento circense quem conhece vai passando de um para o outro. O beco é um lugar que faz as emoções aflorarem”, afirma Lucio.

Joyce Barbosa Neto é uma das voluntárias do local. Ela se interessou pelo circo quando passava pelo bairro, viu luzes coloridas e ficou curiosa em saber do que se tratava. Lá, foi convidada para conhecer um pouco mais sobre o movimento.


Antes da pandemia, trabalhava na parte de produção do circo, como ajudar no camarim, preparar comidas para os artistas, ajudar nas montagens para os espetáculos, trabalhar nas lojinhas e até mesmo bares, para que os espectadores pudessem ter uma boa experiência.


“Muitos artistas que passaram pelo Circo no Beco têm gratidão. Vão e voltam, o Circo no Beco é uma escola que abre caminhos.”


O preconceito com os artistas circenses, porém, é algo muito presente na vida deles, como afirma a voluntária. “Creio que todos nós enfrentamos. Sofri preconceito da sociedade que julga ser uma perda de tempo.”


“Em um espetáculo uma menina que tinha um dreadlocks cortou eles na frente de todo mundo, que era a marca registrada dela, e todo mundo chorou. Ela estava fazendo no grito, de um espetáculo totalmente feminino, que falava sobre machismo, preconceito. Foi muito marcante”, complementa Lúcio.


Lives

Os espetáculos presenciais pararam em março. Agora, com a nova realidade enfrentada devido à Covid-19 e as apresentações sendo realizadas pela internet ganharam espaço no Circo no Beco.


“Eu estou com medo de voltar à ativa, sou perguntado direto quando o Circo no Beco volta e eu aposto em março do ano que vem, no dia do aniversário do beco, preparar um belo aniversário para voltar com força total, 27 de março.”


Lúcio conta que mesmo durante a pandemia de coronavírus, o circo é reconhecido internacionalmente, através das lives transmitidas nas redes sociais.


“Uma artista disse que todos em Buenos Aires acompanham nossas lives e a gente nem sabia que isso está acontecendo. Muita gente saiu do Circo no Beco e hoje trabalha fora do país, no Soleil, por exemplo”, afirma.


Porém, o retorno financeiro não é o mesmo. Em quase 30 lives realizadas pelo circo, Lúcio conta que não conseguiram nem R$ 700.


“Presencial você olha para frente e vê o público, ele reage. Na internet não dá para ter uma reação, apesar dos likes, é um público que a gente imagina, a gente não vê. A primeira live que a gente fez teve mais de 1h40, hoje varia em 35 minutos porque eu acho que é o tempo que uma pessoa tem paciência para assistir uma coisa na internet. Você está vendo uma live e de repente alguém manda uma mensagem, não dá para prestar tanta atenção”, conta.


“Para a gente não pirar a gente tem que fazer alguma coisa. A gente não está vivendo, estamos sobrevivendo. Devendo nossos alugueis.”


Dentre as apresentações online, uma que foi de grande destaque foi a “Noite LGBTQIA+”, que inicialmente seria realizada presencialmente.


Apesar dos prejuízos, Lúcio não quis deixar o evento de lado e proporcionou o espetáculo pelas redes sociais, mesmo sem muito conhecimento da tecnologia. Em contato com artistas Drag Queen, King e Queer, o evento foi um sucesso.


“Escolhemos um dia e tinha que ser em junho por causa das celebrações LGBTQIA+, dia do orgulho. Teve um público legal que não é do beco, que as Drags trouxeram. Fizemos uma festa pela internet depois, um after”, conta.


Lucas Guilherme dos Santos Soares é ator e palhaço profissional, e foi um dos artistas que se apresentaram no evento.


Ele conta que sempre achou o malabarismo encantador, e em 2014, aprendeu a jogar três bolinhas em uma aula do curso de Artes Cênicas, do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos de Tatuí, no interior paulista. Desde então decidiu se dedicar.


“Em 2016 entrei na Formação para Palhaços Jovens dos Doutores da Alegria, em São Paulo. Lá, mergulhei de cabeça nos malabares. Treinava diariamente, e além de me especializar em bolinhas, também comecei a jogar claves”, afirma.


O artista já fez apresentações nos mais diversos meios: palcos de teatro, escolas, eventos... Porém, o que mais o cativa é a arte de rua e Lucas já realizou trabalhos em praças, terminais de ônibus, ruas e vagões de metrô.


“Muita coisa acaba sendo marcante. Desde o olhar deslumbrado das crianças que nunca viram um palhaço, até o morador de rua que contribuiu com o chapéu do artista com 10 centavos, mesmo que não tenha o mínimo para uma vida digna”, afirma.


Porém, por trás de momentos marcantes na carreira, o artista conta que infelizmente a profissão no Brasil é vista como algo inferior.


“Infelizmente a profissão do artista, muitas vezes, é ingrata. O artista brasileiro sofre uma inferiorização. Nossa profissão é tida como não digna ou inferior a trabalhos tradicionais. Incentivar a arte é promover nossa identidade como brasileiros”, diz.


“Algumas vezes, enquanto estava trabalhando, já escutei coisas como “Vai trabalhar” e “Para de ficar pedindo dinheiro”. É sempre pesado ouvir esse tipo de ignorância. Mas isso faz parte do discurso doentio que é contra a cultura”, afirma.


Para ele, a presença de aulas como teatro, dança e pintura nas escolas é de extrema importância para que desde criança as pessoas possam romper com o preconceito que existe na sociedade, causado por desinformação.


“Incentivar a arte é promover nossa identidade como brasileiros. O artista sempre vai precisar do público, e o público, sempre vai precisar da arte, e, consequentemente, do artista. É necessário lutar por políticas públicas que fomentem a arte em nosso país. Mesmo não sendo artista, mesmo tendo uma profissão tradicional é necessário se interessar pela pauta da cultura. Porque mesmo não pensando em arte durante o dia, todos nós consumimos arte todos os dias”, conta.


Lucas, artista LGBTQIA+ e frequentador assíduo do Circo no Beco desde que chegou à capital, conta participar do evento com outras nove artistas Drag Queen, King e Queer foi uma sensação gratificante.


“Foi simplesmente maravilhoso. Juntar a arte do circo com a arte Drag Queen é de extrema importância. E como um artista LGBTQIA+, estar ali apresentando um espetáculo junto com outras Drags foi muito importante para minha carreira”, afirma.


Faça chuva ou faça sol, o Circo no Beco, assim como inúmeros espaços culturais espalhados pelo Brasil, está de braços abertos para acolher aqueles que estiverem interessados.


“No espaço presencial tínhamos encontro paulista de malabares toda segunda das 18h às 22h. Hoje uma equipe de quatro pessoas que tenta organizar isso. Tenho quase 30 anos de carreira, acaba ficando na minha mão no sentido de apontar diretrizes, mas a gente tenta criar tudo no coletivo”, conta Lúcio.

“A arte é, sem dúvida, mais presente na capital do que nas cidades do interior, mas a arte está na maioria dos momentos da nossa vida, seja quando ligamos o rádio para ouvir música, ou quando ligamos a TV para assistir um filme ou uma novela, quando vamos ler um livro, quando vemos um grafite nos prédios. O que ocorre no Brasil é que as pessoas têm dificuldade em associar a arte com aqueles que produzem esse conteúdo: os artistas.”

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